Lua

Para Daniel

Não sei quantas vezes fiz o percurso Plano Piloto – Taguatinga, indo pela Estrutural. Quem conhece Brasília, sabe que há dois caminhos que conduzem às Satélites: a Estrada Parque e a Estrutural. Em meados de 1993, quando trabalhada na Caixa Econômica (Setor Bancário Sul), terminava o expediente, ia andando para a Rodoviária. Lá, ia à banca de revistas do segundo piso, lia todas as fofocas da semana, descia. Estando com fome (em geral, estava), mandava ver num caldo de cana luxuosamente acompanhado por dois pastéis de queijo (trio da Pastelaria Viçosa). A propósito da Viçosa, tenho uma tristeza para contar: sempre fiz o percurso da Estrutural lendo, já que é uma viagem. Num determinado dia, enquanto tomava o caldo de cana, lia o Livro do Desassossego, do Fernando Pessoa. Uma garota, que estava ao meu lado, aproximou-se, interrompendo a leitura com um pergunta: ”Você não se deprime lendo essa obra?” A pergunta, feita a queima-roupa, me obrigou a responder de pronto: “Não, não deprime, pelo contrário.” Ela me disse que estudara a obra do Pessoa e que aquele livro especificamente a deixara pra baixo. Eu, besta que sou, deixei que a moça fosse embora sem obter dela telefone ou endereço. Nunca mais vou vê-la. Hoje, me pergunto: E se aquela fosse a mulher da minha vida? E se Pessoa tivesse sido colocado entre nós para ser o elo entre duas pessoas? E se estava escrito que a depressão dela, somada à minha satisfação, resultasse numa alegria estética? Lamento profundamente ter sido tão besta. Foi meu primeiro pecado. Terminei de beber o caldo. Dali, seguia para a plataforma da esquerda, onde estão as linhas de ônibus que vão pela estrutural. Sempre preferi pegar o ônibus após as sete, quando é possível ir sentado e ler. Foi numa dessas viagens que me aconteceu um dos momentos mais belos e poéticos numa viagem. Todos sabemos que as luzes das cidades ofuscam as luzes dos astros luminosos e iluminados. Ocorre que, naquela época, a Estrutural não tinha a iluminação que hoje tem. Era uma escuridão sem fim. Era noite de lua cheia. Assim que entramos na estrutural, o motorista resolveu apagar todas as luzes internas do ônibus. Meu primeiro ímpeto foi injuriar-me, já que, sem luz, não poderia ler. Mas qual não foi minha surpresa? Simplesmente dava pra ler com a luz da lua. Mas não foi só isso. Olhando pelo vidro, era possível ver tudo lá fora, como se fosse dia. Mais surpreso fiquei quando percebi que todos os passageiros, encantados, olhavam para o vidro, como que dizendo de si-para-si: “Putz!”. Em Brasília, passageiros de ônibus não são dados a entabular conversas. Cada um pega seu livro, jornal, apostila, revista, walk-man, ou dorme. Mas muito raramente se conversa. Naquele dia, era possível perceber a vontade de todos de comentarem a beleza daquela visão. Eu, que sempre fui cara de pau, disse, em voz alta: “Que coisa maravilhosa!”. Soou meio patético, mas eu não tava nem ai. Parei de ler e fiquei me perguntando: o que passara na cabeça do motorista? De duas, uma: ou ele era um incorrigível romântico ou um tremendo Caxias, capaz de apagar as luzes do ônibus por mera, inútil economia. Admiti a primeira opção. Tive a oportunidade de ir até a cabine e conversar com o motorista. Saber dele a verdade. Não fui. Foi meu segundo pecado. Por todo o percurso, fui me lembrando de canções que usaram a lua como base: “Lua de São Jorge, lua deslumbrante”; “Voa no céu, imensa e amarela, tão redonda a Lua...”; “A lua e eu....quando olho no espelho, estou ficando velho e acabado”; “Tomo um banho de lua, fico branca como a neve ...”;. Não, eu não cantei as músicas em voz alta, muito menos esta última! Mas quis...

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